" Um deles ficou no cargo por dez minutos. Outro por duas horas. Mas acabaram me escolhendo. E acho que estou fazendo uma boa gestão. Todo dia trabalho das 4h da manhã às 22h "
- Difícil encontrar situação tão inusitada quanto a que está acontecendo aqui - reconhece Cyrillo, na insólita condição de prefeito cassado, reeleito e impugnado.
A complexa trama exemplifica os desmandos causados, em todo o país, por prestações de contas irregulares e condutas questionáveis de prefeitos. Cyrillo comandou Bom Jesus durante um ano e meio. Assumiu a prefeitura depois que o então prefeito, Carlos Garcia (PT), entrou em licença médica. Em março deste ano, os dois foram cassados pelo TRE, por abuso de poder econômico: nas eleições de 2004 teriam sido beneficiados por uma rifa de R$ 1 mil, que oferecia um apartamento como prêmio. No total, foram arrecadados R$ 110 mil. Cassado Cyrillo, começou a ciranda de prefeitos. Assumiu o presidente da Câmara, João Batista Chaves Magalhães (PMDB) - denunciado mais tarde, em junho, por envolvimento com quadrilha que cometia fraudes contra o INSS. João Batista ficou no cargo por 18 dias, porque o segundo colocado nas eleições de 2004, Márcio Motta, em acordo com o candidato a vice, José Ari, reivindicou o cargo. Márcio, marido da prefeita eleita Branca Motta, não assumiu e passou o cargo ao vice. Que durou apenas um mês na função: pediu para sair, alegando motivos pessoais.
Incrustado num bolsão de pobreza, com índices de desigualdade equivalentes aos do Nordeste, Bom Jesus viveu ali um impasse, que levou à adoção de um recurso constitucional: a Câmara dos Vereadores escolheu o novo prefeito. Os dois primeiros nomes foram de vereadores. Mas nenhum queria assumir o cargo, porque se candidatariam à reeleição e, ao aceitar o mandato, não poderiam concorrer.
- Um deles ficou no cargo por dez minutos. Outro por duas horas. Mas acabaram me escolhendo. E acho que estou fazendo uma boa gestão. Todo dia trabalho das 4h da manhã às 22h - diz o atual prefeito, Paulo Portugal, que já comandou a cidade por duas vezes, interrompeu uma viagem por causa da escolha da Câmara e conta ter pegado um terno emprestado com um amigo para a posse, às pressas.
Prefeito atual foi terceiro colocado nas urnas
O artifício que permitiu a escolha do prefeito é previsto no artigo 81 da Constituição apenas nos casos em que o cargo fica vago nos dois últimos anos de governo. O presidente do TRE, Alberto Motta Moraes, lembra que, durante o tempo em que o presidente da Câmara assumiu o cargo, o município se tornou alvo de preocupações do tribunal:
- Pensamos em dar efeito suspensivo (à posse) e não foi possível. A gente queria salvar a cidade, mas não havia meio legal de se evitar que o presidente da câmara assumisse a prefeitura. Aí foi um desastre impressionante - disse Motta Moraes.
O prefeito eleito indiretamente defende o presidente da Câmara:
" Isso não vai terminar. Eu não vou deixar em branco. O cargo de direito é meu. Eu ganhei a eleição "
- Essa história do INSS foi a maior covardia. Os que foram presos eram inocentes.
Terceiro colocado nas eleições de 2004, Paulo Portugal lamenta a correria do mandato-relâmpago. E ressalta que a legitimidade de um prefeito escolhido indiretamente ou dos que assumem sem vencer as eleições fica abalada. Um aviso, diz ele, para Branca Motta, a quem transmite o cargo amanhã.
- Eu me senti um interventor. Quando o resultado é o das urnas, o que você fala é lei. Quando a escolha é feita de forma indireta, ou como a Branca foi escolhida, é melhor não ser. Tira a legitimidade. Além disso, foi tudo muito rápido. Tipo "vai ser bom, não foi?". Até o mês passado estava começando, agora estou terminando o mandato - reclama Paulo Portugal.
A prefeita eleita se prepara para fazer um levantamento nas contas do município. Impugnada inicialmente por irregularidades na prestação de contas quando era secretária de Assistência Social na gestão do marido, Miguel Motta, entre 2001 e 2004, Branca prevê que as reviravoltas no município terão reflexo em sua administração.
- Onde existe tanta mudança, nada pode dar certo. Cada um planeja de uma maneira - diz Branca, que teve, nas urnas, 9.388 votos, 51 a menos do que o adversário.
José Cyrillo ingressou, na semana passada, com uma ação no TRE pedindo a anulação da diplomação de Branca Motta. Ele sustenta que Miguel Motta chegou a ser diplomado, no troca-troca de prefeitos deste ano. E que, como mulher dele, ela não poderia sequer se candidatar. O prefeito cassado pediu ainda ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que investigue as decisões tomadas no município. Cyrillo teve a candidatura impugnada porque a apresentação das contas da prefeitura, em 2006, foi considerada extemporânea pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE).
- Isso não vai terminar. Eu não vou deixar em branco. O cargo de direito é meu. Eu ganhei a eleição - avisa o candidato impugnado.
O clima de instabilidade permanente é diretamente proporcional ao marasmo que toma conta das áreas mais pobres do município e à confusão na cabeça dos moradores:
- Enquanto os prefeitos mudam, desde que viemos para cá é o mesmo mato, ônibus não sobe aqui - reclama Nilcéa Couto Silva, de 42 anos, moradora de Nova Bom Jesus, um bairro de 600 moradores criado para abrigar vítimas das enchentes de 1998 no município.
" As nossas leis são erradas. Deveria existir uma exigência: com processo, não pode ser candidato. Sugiro que quem quiser concorrer em 2011 faça um curso, com direito a provas sobre como administrar "
Ela lamenta uma única mudança que o troca-troca trouxe para sua vida:
- Eu trabalhava em uma creche da prefeitura e, com as mudanças, fui demitida.
Geraldo Florenço, um dos dirigentes da associação de moradores do bairro, vê seu município recuando no tempo. Na calçada, a única obra feita na região nos últimos quatro anos: o calçamento das ruas, com recursos do governo federal.
- A gente não sabe nem a quem pedir as mudanças para o bairro, porque o secretários também mudam - diz.
A aposentada Nelly Barbosa Teixeira reclama da falta de rigor das leis eleitorais.
- Com tanta mudança na política, há quatro anos estamos estacionados. As nossas leis são erradas. Deveria existir uma exigência: com processo, não pode ser candidato. Sugiro que quem quiser concorrer em 2011 faça um curso, com direito a provas sobre como administrar."
Fonte : O Globo