SÃO PAULO — Quando O GLOBO pediu à estudante de Geografia da USP e garçonete Mayara Vivian, de 23 anos, uma entrevista sobre sua atuação no Movimento Passe Livre (MPL), ela propôs um acordo: não queria que o texto fosse focado em seu perfil, mas no grupo que representa.
— Podemos ser qualquer pessoa, são as posições políticas do movimento que constroem as coisas desse jeito. Uma pessoa, sozinha, não faz uma manifestação — diz a jovem, destinatária final das mensagens pelo telefone que definiam para que lado os atos que pararam São Paulo pela redução da tarifa do transporte deveriam seguir.
Em contato direto com o negociador do MPL que fica sempre junto ao comando da polícia, Mayara não gosta de ser tratada como líder e lembra que, por princípio, as funções no MPL não são fixas, para evitar o que chamou de “alienação das funções”, conceito que está na boca do grupo:
— Uma coisa é você ser referência, outra coisa é você ser liderança. Não tô nem um pouco a fim de liderar alguém. As pessoas se apropriam da luta delas, o que é o correto, não precisam ficar esperando alguém dizer o que fazer — diz a jovem, citando uma característica que explica a dinâmica dos protestos em São Paulo, na medida em que permite a auto-organização dos manifestantes a cada tentativa de repressão e dispersão dos grupos.
Na última sexta-feira, ela se sentia sortuda por não ter sido presa ou ter se ferido no ataque de bombas de gás e tiros de borracha da polícia, que havia reprimido a quarta manifestação do grupo no centro da cidade no dia anterior. No bar onde trabalha, na Vila Madalena, dividia o tempo entre o atendimento aos clientes e rápidas checagens no telefone, que não parava de tocar.
—A gente tá gastando uma fortuna de crédito de telefone, todo mundo fica me ligando e não consigo retornar, tenho que ligar a cobrar — contou, entre uma ligação do senador Eduardo Suplicy (preocupado com a dimensão tomada pelos protestos do grupo) e um convite para participar do programa “Encontro com Fátima Bernardes” (ela declinou).
O núcleo duro de organização do MPL conta com jovens de mesmo perfil de Mayara — são estudantes ou ex-estudantes da USP, da área de Ciências Humanas, entre 18 e 30 anos. Mas, para ela, quem está nas ruas não é apenas o movimento.
— As 20 mil pessoas que estão ali são estudantes, trabalhadores, pessoas que estão desempregadas, que apostam nessa luta como uma forma de ter uma cidade mais justa e alcançar seus direitos — argumenta a jovem, que é paulistana, saiu de casa aos 15 anos, traz no corpo cicatrizes de confrontos com a polícia em manifestações anteriores do MPL e um número indefinido de tatuagens (“após a quinta a gente para de contar”).
E quem comete os atos de violência em protestos liderados pelo MPL?
— O movimento não é violento. Existem atos isolados de violência e eles não nos representam — afirma Mayara, que acredita instigar na sociedade o desejo de apoio ao lado mais fraco no momento em que a polícia reprime as manifestações.
— Qual violência é pior? Os jovens assassinados na periferia de São Paulo que ninguém está nem aí? Ou uma pessoa que bota fogo em um saco de lixo indignado por ter levado pancada da polícia? — pergunta a jovem, que compara os atos de São Paulo a eventos como a Primavera Árabe e a luta por direitos trabalhistas, “por interferir nos interesses de pessoas que têm poder”.
Fonte : O Globo
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