Total de visualizações de página

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

POLÍTICO PROFISSIONAL OLIGÁRQUICO: IRRECICLÁVEL PARA O MERCADO LÍCITO (?)

01. A historiografia de centenas ou até mesmo milhares de políticos tem total similitude com a deformação moral gerada pela banalização do mal (tal como descrito por Hannah Arendt). No âmbito da carreira policial isso se chama policialização, que culmina, muitas vezes, desgraçadamente, na fabricação de monstros torturadores e/ou exterminadores (tal como relatado pelo ex-policial Rodrigo Nogueira, no livro Como nascem os monstros). Não é comum que se entre numa instituição estatal com o propósito de roubar, corromper, torturar ou exterminar seres humanos. Mas isso sói acontecer. Tudo tem início com a convivência; depois vem a conivência até se chegar à “canalhaexistência”, que obriga os políticos, nos casos patológicos, após tantos anos em contato com a podridão do crime organizado em torno da res publica, a tudo fazerem para se preservarem no poder, já sem nenhuma continência (contenção), seja porque nesta altura da sua refinada profissionalização se torna um irreclicável para o mercado lícito, seja porque não consegue sequer pensar nas agruras incomensuráveis de uma crise crônica de abstinência.
02. Não é verdade, opina com razão nosso correspondente no Brazilquistão, que todos os que deliberam se arremessar à arena conturbada (e conspurcada) da vida pública o fazem por força de alguns instintos malignos, que adredemente inspirariam uma organização criminosa de perversidade insuperável. É bem verdade que muitos, como se sabe, adentram os pórticos da deusa denominada política já com uma recheada folha de antecedentes. Alguns deles não pensam senão na impunidade assim como na satisfação de suas paixões desregradas que agitam e dão sentido à sua existência. De qualquer modo, parece muito certo, até mesmo pelas leis físicas, que é muito difícil respirar sobranceira e impunemente a atmosfera corrupta dos partidos políticos existentes nesta Ilha, que são financiados por grandes oligopólios que de tudo são capazes para manter sua posição no mercado.
03. A maculada ambiência da vida política corrupta (sobretudo a decorrente do abjeto conúbio das empresas e bancos com os políticos) não fulmina instantaneamente com a morte, logo de entrada, os desventurados incautos que se arriscam temerariamente a penetrá-la. Salvo que o político tenha pisado o terreno infecto com o deliberado propósito de melhor conhecê-lo para poder denunciá-lo, o normal é que se cometa a imprudência ou mesmo leviandade de nele mergulhar (de corpo e alma) com as melhores intenções, que vão se alterando com o passar dos dias, dos meses e dos anos. Há muitos que são do bem e creem que darão um relevante sentido para seu talento e sua história de vida, exercendo um cargo público com honestidade, embora cientes do quanto é arriscada e perigosa a aventura da vida partidária. Como sublinhava proficientemente João Francisco Lisboa (Jornal de Timon), “reconhecem e confessam a imoralidade dos partidos, mas sempre seguros de si, e, confiados no influxo de uma estrela benigna, presumem que vão dar na balança um peso decidido contra o mal, e farão por fim tal e tamanho bem e serviço que ficarão mais que muito compensadas as humilhações que são, e a todos se antolham, inevitáveis”.
04. Turvada a mente por tais ideias, prossegue nosso consagrado autor maranhense, “fascinados por esta esperança falaz, e arrastados por uma doutrina perversa, pregada sem rebuço, justificada por eminentes e numerosos exemplos, e coroada por tantos resultados felizes, ei-los caminhando de transação em transação, de concessão em concessão [de emenda orçamentária em emenda orçamentária, de licitação em licitação, de financiamento de campanha em financiamento de campanha – veja o livro Nobre Deputado, de Márlon Reis], sacrificando agora um, depois outro princípio, hoje os escrúpulos de uma simples delicadeza, e amanhã tudo quanto há de grave, respeitável e sagrado na vida”. Paulatinamente, o processo de politicalização e partidarização vai, aos pedaços e mansamente, carcomendo o brio, a ética, o pundonor e a virtude, que constituem eixos sagrados da moralidade humana. O depauperado processo de corrosão, normalmente, nem sequer é notado. De qualquer modo, da simples convivência vai se ingressando na conivência e, desta, para a “canalhaexistência”, muitas vezes sem nenhuma continência; entre os estágios da degradação e depravação só existe uma tênue linha divisória.
05.  O mal que a princípio é encarado com estranheza e horror, logo “passa a ser tolerado, dissimulado e desculpado nos outros; depois é aprovado e, por fim [quando atinge o patamar da “canalhaexistência”], é praticado por conta própria [com naturalidade], chegando mesmo a ser alardeado e ostentado” (J. F. Lisboa, Jornal de Timon). A banalização do mal atinge níveis estratosféricos e inclusive patológicos, na mesma proporção em que aumentam os contatos infames. A alma, o caráter e até mesmo o talento se apoucam, depravam, se aviltam e se rebaixam a um grau tão ínfimo “que nos encheria de horror se desde o primeiro passo na carreira fatal tivéssemos podido entrevê-lo” (Lisboa, citado). Todos aqueles fantasmas que pululavam suas miragens excêntricas vão se distanciando para bem longe, “até de todo esvaecerem-se, deixando só o pesar e o remorso da fadiga e do crime, igualmente inúteis; se não é que endurecidos pelo mesmo crime, chega-se até a se gloriar da própria degradação” (Lisboa). São raros, mas muito raros mesmos, aqui na Ilha de Brazilquistão, os políticos que saem incólumes dessa lamaçal imoral e degradante.

Nenhum comentário: